Esta crise exacerbou aquele já extremoso amor de pai.
Não havia sábado em que Manuel Quintino, parco em excesso talvez consigo, e que por isso granjeara entre os amigos a imerecida reputação de avarento, entrasse em casa com as mãos vazias, sem um mimo, uma lembrança para Cecília, arrostando com as meigas exprobrações desta e com seus mal simulados arrufos.
Quantas vezes ele fazia, como costuma dizer-se, vista grossa para o azulado ameaçador dos cotovelos e das costuras do casaco, para as quebras lastimosas do seu chapéu de seda, só com o fim de poupar algumas libras e comprar um xaile, uma marquesa, um vestido novo a Cecília!
Só depois de repetidas insinuações, pedidos, e até afectuosas ameaças da parte da filha, só depois de ela haver esgotado os mil recursos da sua eloquência, é que Manuel Quintino se decidia, enfim, a olhar por si e a atender às necessidades próprias.
O meio mais poderoso a que, para isso, Cecília recorria era pedir-lhe que a acompanhasse a um lugar público qualquer. Então o guarda-livros, que não aprendera a recusar-lhe nada, prometia, cismava, coçava a orelha, examinava o fato, torcia o nariz, resmungava e, no dia ajustado, ele aí se apresentava de uniforme novo, para servir de cavalheiro à filha.
A ideia de a fazer passar por uma vexação realizara o milagre e vencera a sua modesta repugnância.
Cecília sabia-se objecto deste culto, e retribuía-lho com atenções e carinhos, que deixavam compreender ao pai o que devia ser a felicidade suprema.
O leitor, costumado a passar a noite no teatro, nos bailes ou nas assembleias, mal pode fazer ideia do prazer íntimo com que Manuel Quintino via escurecer a tarde e cintilarem, ainda pálidas, as primeiras estrelas no céu.
Preparava-se-lhe um desses gozos