- Romances! Lena, romances! Os romances, lidos em plena aldeia, são perigosos. Falta aqui nos ares um certo cepticismo, que, não sendo em doses exageradas, tem a vantagem de não deixar ver as coisas da vida através do prisma dos livros de imaginação. Mas basta de falar em política. Amanhã procurarei o ervanário. Espero uma recepção de gelo, e vou preparado para uma ladainha de recriminações, mas irei. Nada esperes, porém, da entrevista, Lena; nem o mal, se mal é, se poderia já atalhar; nem o orgulho do Vicente lhe permitirá expansões à sensibilidade, que cheguem a comover-me. Conheço-o.
Madalena não instou. Ficou, porém, pensativa e sem o menor vestígio da alegria com que principiara o serão.
Nisto ouviu-se um toque de sino longínquo.
- Já toca para a missa do galo! Ouvem? - disse D. Vitória.
- Vamos! Não há tempo para demoras - exclamou o conselheiro, levantando-se.
Todos o imitaram, menos Madalena.
- Não vens, Lena? - perguntou Cristina.
- Não.
- São amuos, filha? - disse-lhe o conselheiro, indo por trás dela; e, tomando-lhe a cabeça entre as mãos, beijou-a na fronte.
- Não, meu pai, é uma dor de cabeça tão violenta!
- A maldita política é o que faz! Pois fica; fica, porque está fria a noite.
- Far-te-ei companhia, Lena, disse Cristina.
- Não, não. Se insistes, obrigas-me a sair.
- Aviem-se! - dizia D. Doroteia. - Henriquinho, vens? Henrique, cujo ardor em ouvir a missa da meia-noite esfriou desde que viu Madalena ficar, respondeu:
- Ó tia... a falar verdade!... se me dispensassem!...
- Vem daí, preguiçoso! Anda!
- É que... para um homem doente:
- Ai, não; se te há-de às vezes fazer mal, então não - apressou- se a dizer a precavida senhora.
E foi deferido por unanimidade o requerimento de Henrique, a quem, cedo depois, Torcato foi ensinar o caminho para o quarto onde devia pernoitar.