XVIINão havia mentido a grande cintilação das estrelas na noite de Natal.
A manhã do dia seguinte correspondeu ao augúrio meteorológico, rompendo pura e desenevoada, com um céu azul sem manchas e um sol de fundir os gelos dos montes e os gelos da velhice.
O frio intenso convidava a sair, e desde pela manhã aldeões de ambos os sexos, de camisas lavadas e roupas domingueiras, atravessavam os campos, saltavam sebes e cancelos, desembocavam das azinhagas e quelhas na direcção da igreja matriz, onde se deviam celebrar as festas da Natividade.
Era dia-santo entre os que mais o são; e os dias santos na aldeia têm uma feição solene e festiva, que mal avaliamos nós, os que passamos a vida nos apertados horizontes das cidades, fantasiando o campo por meia dúzia de pardais, que chilram ruidosamente nas copas das enfezadas árvores das nossas praças e jardins.
Desde que a moda estabeleceu a lei de não solenizar o domingo nem o dia-santo, com um vestuário mais asseado, com um prato mais esquisito na lista do jantar, com uma diversão excepcional, e que todos deram em vestir-se, comer e trabalhar nesses dias, exactamente como em todos os da semana, perderam nas cidades os dias do Senhor a feição típica e interessante, que por muito tempo tiveram; e quem hoje bem os quiser apreciar tem de ir num sábado pernoitar ao campo, para amanhecer no domingo ao som do sino, que chama para a missa matinal.
Dirá, então, se não parece que até o Sol tem outra luz e que as árvores e as plantas se toucaram de flores novas, que guardam de reserva para os dias de festa.
Este particular aspecto do domingo estava-o logo pela manhã sentindo Henrique de Souselas, encostado à varanda do quarto em que pernoitara, e enquanto esperava que o chamassem para o almoço.