VHenrique de Souselas sentia-se cada vez mais penetrado da simpatia, que, logo à primeira vista, aquela mulher lhe despertara.
Havia na Morgadinha um misto de candura e de ironia, certa delicada reserva flutuando, como uma sombra diáfana, na conversa familiar, a que tão espontaneamente se dava; um visível conhecimento dos usos e etiquetas sociais, e ao mesmo tempo uma coragem para cortar por eles, como quem se sentia sobranceira a toda a ousadia, inacessível às suspeitas dos mais atrevidos; havia tantos enigmas naquela simpática índole feminina, que poucos seriam impassíveis diante dela.
A pensar nisto se ficou Henrique de Souselas, calado, imóvel, absorto, seguindo com os olhos os movimentos de Madalena, que, sem o menor constrangimento, prosseguia nas suas ocupações domésticas.
Ouviram-se finalmente passos e vozes de diferentes timbres na sala imediata.
- Elas aí vêm - disse a Morgadinha.
De feito, precedidas por Mariana e Eduardo, entraram na sala D. Vitória e Cristina.
A mãe vinha dizendo:
- É o que eu digo... Não que vocês não querem crer! Ora vejam se isto se atura... se isto não é para meter uma pessoa no Inferno!... Não tem que ver!... Não há ninguém que mais dinheiro gaste com criados e que seja tão mal servida como eu!... Eu só queria saber o que fazem os criados desta casa! Sim, só queria que me dissessem o que eles fazem, esse bando de mandriões! Ele é o Torcato, ele é o Luís, ele é o Damião, ele é a Ermelinda, ele é a Rosa, ele é a Violante e não houve um só que me viesse dizer que tinha chegado o primo! É forte coisa!... Comprometem uma pessoa! Então como está? - acrescentou ela, mudando de tom para cumprimentar Henrique, a quem estendeu a mão.
Madalena, ao ouvi-la, já tinha trocado com este um olhar malicioso.