XXIIDias depois das cenas descritas no anterior capítulo, estava a Morgadinha ocupada a escrever numa das salas do Mosteiro, quando ouviu atrás de si correr o reposteiro da entrada.
Julgando que era algum criado, nem se voltou e prosseguiu na escrita.
- Retiro-me, se sou importuno - disse a pessoa que entrara, e que ficara no limiar da porta.
Madalena voltou-se então e reconheceu Henrique de Souselas.
- Ah! É o primo Henrique? Pode entrar.
- Eu sei! Há correspondências tão delicadas, que demandam a aplicação de todas as nossas faculdades, e a presença de um importuno...
- Mas não se dá agora esse caso; nem quanto à delicadeza da correspondência, nem quanto à importunidade do visitante.
- Então utilizo-me da concessão.
- Ocupava-me a escrever àquele pobre Cancela, para o tranquilizar em relação à filha. Pobre homem! Ainda se lhe não pôde obter fiança, apesar de meu pai tratar disso, a pedido meu. Há quem trabalhe contra ele. E como há-de ter padecido na cadeia na incerteza em que está! Quem há-de dizer que, naquele corpo, robusto e forte, se aloja uma alma de tão delicados sentimentos? Inda lhe hei-de mostrar a carta que ele me escreveu a pedir-me que trouxesse para o Mosteiro a filha, e a tirasse de casa da madrinha, que com o seu fanatismo a perdeu... É um modelo para seguir.
- E como vai a pequena?
- Mal. Estou aqui a mentir, fazendo conceber àquele pobre homem esperanças, que eu mesma não tenho.
- Que disse o cirurgião?
- Nada animador.
- Como capitulou a moléstia?
- Não sei quê de cérebro; nem eu quis saber. Nunca pude compreender a necessidade que tem certa gente de conhecer a natureza da doença que lhes ameaça roubar uma pessoa querida. Perdê-la ou salvá-la, é a questão que me interessa.