XII O conselheiro levou a sua atraente amabilidade até se sentar nos bancos de pinho do estabelecimento de Damião Canada, envernizados já pelo uso de muitos anos.
Entre os circunstantes era qual mais o cumprimentava e oprimia com atenções e o flagelava com obséquios.
O conselheiro revestira-se, com muito estudo, de uma fisionomia satisfeita e sem sombras de reserva; tratando a todos por amigos, e conversando com aquela familiaridade, tão sabida de candidatos a procuradores do povo, nos círculos que pretendem representar.
Até chegou a levar aos lábios o copo de vinho, que um lavrador lhe ofereceu.
Não se lhe percebia porém no rosto, ao fazer isto, o menor vestígio de artifício, e, ao mesmo tempo, mantinha-se ainda nele tão aparente a superioridade intelectual, que os seus interlocutores nunca excediam os limites da deferência. O pai de Madalena era um perfeito homem de corte: presença agradável, modos insinuantes, palavras tão astuciosamente lisonjeiras, que desvaneciam os próprios que como tais as tinham.
Alvejavam-lhe já algumas cãs nos cabelos e suíças, que usava talhadas à moda inglesa; principiava a predominar-lhe nas formas certa rotundidade característica; mas no esmero e até elegância distinta de casquilhice pretensiosa, com que vestia, no porte airoso, nos movimentos ágeis, no olhar penetrante como o de poucos, e na viveza das conversas, havia ainda tantos sinais de vigor e de virilidade, que ninguém se sentia obrigado a estranhar-lhe certos hábitos de rapaz, que não perdera ainda.
Em Lisboa passava o conselheiro por ser um homem benquisto das damas, e, não obstante os seus cinquenta e cinco anos, acreditava- se que assim fosse, ou quase se adivinhava, ao primeiro olhar lançado sobre ele.
Possuía o dom especial de se encontrar à vontade em toda a parte, desde o mais perfumado gabinete da moda, até o menos asseado local de um comício popular.