XICensurável descuido tem sido o nosso em não conduzir o leitor a um dos lugares mais importantes da aldeia onde se passam os singelos episódios desta narração.
Que se diria de um cicerone, que, por esquecimento ou propósito, deixasse de apresentar um viajante, recém-chegado a uma cidade, na assembleia, clube, grémio, ou o que quer que seja, onde se reúnem as principais personagens dela, onde se compendiam as grandes questões e interesses locais, as pequenas vaidades e intrigas, as modas efémeras, os volúveis caprichos que agitam os espíritos, onde se comenta o boato de ontem, se dão ao de hoje mil versões diversas e se adivinha já o de amanhã? Pois no mesmo delito incorremos nós, chegando a este undécimo capítulo, sem ter guiado os leitores à venda de Damião Canada, a qual podia dizer-se o verdadeiro coração daquele organismo social.
Tudo quanto na terra havia de certa representação ali ia falar da coisa pública e também da particular; - da particular dos outros mais do que da própria, entenda-se.
Aproveitemos um resto da tarde, em que a natureza, após horas continuadas de chuva e de temporal, como que procurou respirar e permitiu que o Sol, já no ocaso, levantasse uma ponta do manto de nuvens que o envolvia, e mandasse os raios amortecidos às cristas das serras fronteiras; aproveitemos este intervalo de sossego para entrarmos na taverna.
Tinham passado dois dias depois do passeio ao monte, que descrevemos.
Henrique de Souselas teve de condescender com uma leve angina, que lhe legaram os rigores daquela excursão, e ficou em Alvapenha, entretendo-se a escrever cartas aos amigos e a cismar numa iminente desorganização da laringe, a que imaginava conduzirem- no os seus incómodos actuais.
No Mosteiro nada também ocorreu que mereça narrar-se ao leitor.