XXXIA morte do ervanário deu muito que falar na aldeia, não só pela qualidade de homem que era aquele, como pelas circunstâncias, no meio das quais o facto sucedera. O resultado da eleição, conquanto momentoso, não distraía do assunto as atenções; pois que, tendo sido sucessos simultâneos, associavam-se naturalmente nas conversas e discussões, e um chamava o outro.
O ervanário não fora colhido desprevenidamente pela morte; havia muito tempo que fizera as suas disposições e por elas legara a Augusto tudo quanto possuía, isto é, alguns livros, entre os quais a Polianteia, e o preço, quase intacto, que recebera pela casa expropriada.
Logo que estas disposições foram sabidas, não faltou quem achasse nelas a explicação da amizade desvelada com que Augusto sempre tratara o velho, e do piedoso acatamento com que o recebera em casa, assim que da sua o expeliram.
Nós que, por um direito legítimo e inauferível, podemos julgar a fundo do carácter de Augusto asseguramos que eram inexactos tais juízos.
É uma triste verdade esta da pouca ou nenhuma fé que se tem no desinteresse dos outros! Não há explicação mais difícil de ser recebida do que a que se fundamenta num sentimento nobre de abnegação ou de generosidade.
É preciso que duvidemos muito de nós mesmos, para assim desconfiarmos do próximo. Porque afinal o que é verdade é que a mais exacta e infalível ciência do coração humano só se adquire pelo estudo do próprio coração: esse é o único que nos está bem patente.
É por isso que as melhores almas são, de ordinário, as mais crentes.
Um homem a quem a desconfiança tenazmente escuda contra todas as aparências de virtude, ainda as mais insinuantes, tem já tão inquinado o coração como supõe o dos outros.
O enterro do ervanário verificou-se no dia seguinte ao da morte e foi muito concorrido.