XVIII Do dia de Natal ao dia de Reis passou o tempo para o conselheiro em visitas às freguesias e aos influentes daquele círculo eleitoral, visitas a que o acompanhava Henrique de Souselas, que tomava parte, com gosto, nestas excursões políticas.
Em casa do Sr. Joãozinho das Perdizes, na freguesia de Pinchões, passaram eles um dia. Nos solares do morgado tudo era desordem e desmazelo; a cada passo se tropeçava num podengo ou se trilhava a cauda a um perdigueiro. Henrique sustentou uma verdadeira luta com o proprietário, para esquivar-se a engolir todas as enormes doses de carne de porco e de vinho, com que ele, à viva força, o queria regalar.
No quarto em que os hóspedes pernoitaram estavam amontoados no meio do chão uns poucos de alqueires de milho e de castanhas, e aos pés dos leitos dormiam enroscados dois galgos, que eles não conseguiram desalojar, e que toda a noite os incomodaram com latidos ao menor rumor que escutavam fora.
Henrique lamentou a influência eleitoral do morgado das Perdizes, que o obrigava a esta noitada.
Outro dia jantaram em casa do Brasileiro, que lhes mostrou toda a sua propriedade, tendo Henrique de obrigar a sua eloquência a esgotar-se em afectadas exclamações, diante dos prodígios de mau gosto reunidos ali.
As estátuas de louça, os alegretes de azulejo, os arcos feitos de cana, por onde se entrelaçavam magras trepadeiras; um pequeno modelo de fragata brasileira com tripulação de altura dos cestos de gávea, flutuando num tanque circular; uma gruta, estucada de azul e com assentos de palhinha, para onde vinha ler as folhas o Sr. Seabra, eram as principais maravilhas do jardim. Nas salas mobília rica, mas vulgar; litografias coloridas em custosas molduras douradas, bordados, diplomas de sócio de não sei quantas sociedades brasileiras, tudo encaixilhado, e no lugar de honra a estampa das capelas do Bom Jesus de Braga.