Eu já não fico por mim esta noite. Estou a querer convencer- me de que tenho andado estouvadamente e com não demasiado cavalheirismo. Que diabo! É que esta mulher e este criancelho são irritantes. Ela com a sua altivez, ele com os seus brios. Mas, na verdade, será este o Endimião desta esquiva Diana? Caprichos feminis... É o tal primo ingénuo e tímido... A ociosidade da aldeia para alguma coisa há-de dar. Mas da maneira por que ela lhe falou... Havia certo tom de sinceridade... Astúcias... O que é certo é que estou em luta com uma mulher superior... Pois lutemos, priminha, mas com armas leais. Não me prevalecerei do segredo que o acaso me revelou, se segredo existe... Veremos como ela amanhã me trata... Esta cena deixou em Augusto uma perturbação de espírito mais profunda.
As operações mentais que o preocuparam toda a noite eram daquelas a que repugna chamar pensar. É mais uma febre intelectual, um suceder de imagens sem ordem nem filiação, que não conduz a nenhum resultado, que não aconselha nenhum partido, que não esclarece; ofusca.
Como se explica esta diferença entre os dois? Por um aparente paradoxo: porque Augusto tinha mais hábitos de reflectir. Quando, numa vida de episódios uniformes e aparentemente vulgares, o espírito exerce demasiado a análise, habitua-se a estudar factos que para outros passam por insignificantes, e descobre-lhes faces novas e desconhecidas. Costumado assim a ligar valor a tudo, quando sucede que no decurso da vida se lhe depara um facto de maior vulto, a confusão do primeiro momento é inevitável. Assim como a balança de precisão, apropriada para oscilar com pesos tenuíssimos, não é a que pode servir para os grandes pesos, também a inteligência, costumada a pesar subtis acidentes, de que se compõe o drama habitual da vida, não é a que de súbito pode avaliar algum mais complexo e importante.