Ermelinda caiu-lhe aos pés, de joelhos, chorando também.
Por algum tempo, nada mais se ouviu ali dentro senão os soluços de ambos.
A reacção não se fez, porém, esperar muito no ânimo violento do Cancela.
Afastou com vivacidade as mãos do rosto, ergueu a cabeça, e, com os olhos inflamados de raiva e de cólera, disse para a filha, tremendo e gaguejando, tal era a impetuosidade dos sentimentos que se lhe amontoavam no coração:
- Quem foi?!... Responde! De quem foi essa mão atrevida que fez isto?... Fala! Não ouves? Quero sabê-lo, para cortá-la mais rente do que te deixou os cabelos... E tu, desgraçada, tu, consentiste!... Má filha! Filha desagradecida e sem coração, que assim deixas que me roubem as minhas riquezas e alegrias! A teu pai!... É assim que pagas o amor com que te tenho criado?... A adoração com que de pequenina te tratei? É assim? É com este desamor?! E com esta ingratidão?
- Meu pai! Meu pai! - implorava Ermelinda, sufocada pelo pranto. - Perdoe! Não se aflija assim, meu pai, que me mata! Não vê?... Escute... Para servir a Deus... foi para servir a Deus que eu os cortei!... A vaidade é um pecado grande.
- Quem te ensinou isso?... Quem te aconselhou a que os cortasses? Fala!...
- Por alma de minha mãe, não me fale assim, que me assusta!
- Vá! Pois já não falo... Eu estou sossegado... Mas então? Eu não hei-de saber?... Bem vês que eu preciso de saber... Vá!... Eu sou teu pai. Ordeno... Peço... Dize, filha, quem foi?
- O missionário... - ia a dizer Ermelinda.
O pai não a deixou prosseguir.
- Ah! Já sei! O missionário! É isso!... Os padres... as beatas... tua madrinha! A bruxa a quem eu confiei a filha e que ma entrega assim! Vendeu-ma às mãos desses malvados sem dó, sem consciência, sem religião, sem Deus.