Coitadas! Que havia eu de fazer? Diga-me: já pensou no suplício que deve ser olhar a gente para uma folha de papel escrita, na qual sabemos que se fala de uma pessoa querida, e não ter poder para decifrar aquele enigma? Que martírio! Eu, por mim, confesso que me falta o ânimo para recusar pedidos daqueles, como me faltaria para negar uma gota de água ao desgraçado que visse a morrer de sede. A crueldade seria quase igual. Não lhe parece? Henrique formulou um galanteio, que ela porém não ouviu, entretida já a escutar o que uma das crianças lhe dizia.
- Lena, olha a Anica, que está a deitar a sopa dela no meu prato.
- Deixa falar, Lena, deixa falar; foi ela que primeiro a deitou no meu. Não tem vergonha de mentir!
- Então! - disse Madalena, que a este nome correspondia a contracção familiar de que se serviam as crianças. - Olhem agora se têm juízo! Vejam se querem que eu vá dizer à mamã que venha para aqui.
- Não é ela a mãe, visto isso - pensou Henrique, como quem modificava uma opinião que concebera antes e folgava com a modificação.
- Será irmã? Talvez... Ou mestra... É mais provável que seja mestra. Esta mulher foi decerto educada na cidade. Tem uns ares distintos... E, elevando a voz:
- V. Ex.ª está-me recordando uma cena de um precioso livro, que nunca me canso de ler.
- Qual é?
- Werther.
- Ah!
- Conhece?
- Conheço... quero dizer, li-o, por acaso, há pouco tempo. Compara- me a Carlota? É por estar a distribuir as rações destas crianças? Que mulher há que não seja Carlota, nessa parte? Em todas as casas se passa uma cena assim. Bem se vê que não tem família.
- Porquê?
- Por lhe fazer tanta sensação o espectáculo desta.
- É certo - respondeu Henrique com melancolia. - Deve ser essa uma das causas; mas não a única - acrescentou galanteadoramente.