Não me soa bem o impertinente tratamento de excelência, que me dá. Essa excelência está a pedir-me uma senhoria, pelo menos, e confesso-lhe ingenuamente que me custaria a voltar na língua uma palavra tão comprida.
- Como quer então que a trate?
- Eu sei?... Olhe, uma ideia! Há pouco não me comparou à Carlota de Goethe? Deixe-me pois adoptar uma lembrança dela. Está certo de que tratou o Werther por primo, a primeira vez que lhe falou? É um tratamento como outro qualquer; e entre nós mais justificado, porque, sendo o Sr. Henrique sobrinho direito de D. Doroteia, e teimando minha tia Vitória, a mãe destes pequenos e de Cristina, que D. Doroteia é ainda uma espécie de nossa tia arredada, e como tal até a tratamos, nós, afinal de contas, vimos a ser uma espécie de primos também. Pelo menos assim o sustentou e decidiu ontem minha tia Vitória; e há-de ver como por primo o tratará! É um tratamento menos incómodo; eu chamar-lhe-ei primo Henrique; chamar-me-á, se quiser, prima Madalena, e desterraremos para sempre a antipática senhoria e excelência; concorda?
- Aceito e acho deliciosa a proposta. Adoptamos o princípio falso, admitido pela fidalguia em Portugal, de que «os primos de nossos primos, nossos primos são».
- Fica pois ajustado?
- Fica ajustado.
- Bem. Mas que ia dizer há pouco?
- Nem eu já sei... Ah!... Perguntava se tinha estado muito tempo em Lisboa e o que a obrigou a vir viver para aqui.
- Isso é nem mais nem menos do que pedir-me a história da minha vida. Seja; é um sacrifício inevitável a quem se vê pela primeira vez. Deixe-me primeiro atender a estes pequenos, que eu principio.
E, depois de partir a cada criança uma fatia de queijo, a Morgadinha principiou:
- A história é curta e sem peripécias, tranquilize-se.