– Deixa estar, filha, que eu cá me vou servindo.
– Pois sim – insistiu o Sr. Fortunato – mas que ele não é lá de muito bons costumes, isso é que é verdade.
– Antónia, sirva aqui o Sr. Fortunato – disse Cecília secamente, ordem que, por excepcional, surpreendeu a todos.
Também não sei bem explicar a razão desta ordem.
– Tudo isso não passa de rapaziada – prosseguiu Manuel Quintino. – Mas o que se chama fundo, boa alma, isso tem.
– Olhe, Sr. Manuel Quintino, homem que não toma rumo de vida…
– Também há muitas más almas à testa de grandes estabelecimentos, Sr. Fortunato. Se um modo de vida fosse garantia de probidade! – disse Cecília com ironia.
– Pois bem sei que não, menina, mas…
– Mas, mas, meu caro – disse Manuel Quintino –, o que ninguém pode negar é que está ali um homem de bem… é verdade isso… Muitos fazem pior com menos a desculpá-los.
O diálogo prosseguiu, discutindo-se muito Carlos. Cecília porém absteve-se de tomar parte nele.
Terminou o chá. O ardor da conversa baixou. Manuel Quintino pressentia o sono. José Fortunato sentia-se a digerir. Cecília trabalhava e às vezes ficava parada com os olhos fitos na luz, como se ela lhe oferecesse qualidades novas a examinar. Davam enfim nove horas.
– Ora vamos até casa – disse José Fortunato, erguendo-se.
– Olhe se se agasalha – recomendou Manuel Quintino.
– Antónia, venha alumiar – disse Cecília.
E o Sr. Fortunato, feitos os seus cumprimentos, descia as escadas, conversando com Antónia até à porta da rua a respeito de frieiras, e metia-se em casa, onde a imaginação teimava em recordar-lhe a doce figura de Cecília e tudo quanto lhe dissera.
– Estranhei hoje os modos da rapariga – dizia ele ao deitar-se.
Uma pérfida paixão começara, havia muito, a minar o coração do pobre homem.