Naquela tarde, porém, conservou-se ainda pouco expansivo, e quase distraído, perante a crescente comunicabilidade de Mr. Richard.
Neste diálogo inter pocula eram infalíveis as referências do negociante ao seu livro favorito – O Tristram Shandy, de Sterne.
Mr. Richard apreciava tudo naquele livro extravagante. Sabia-o quase de cor e, apesar disso, lia-o ainda e de todas as vezes ria com a mesma vontade, não obstante não encontrar no decurso da leitura já coisa alguma imprevista.
Carlos, ainda quando não tivesse lido a obra, tinha já razão para a conhecer a fundo, graças às quotidianas citações do pai; era, porém, obrigado a escutá-lo, como se tudo fosse novo para ele.
As dissertações filosóficas do pai de Tristram, as ingenuidades e venetas guerreiras do tio Tobias, as argúcias e façanhas do Corporal Trim, as intermináveis e extravagantes divagações de Tristram – o suposto autobiógrafo, tudo Mr. Richard citava com entusiasmo e com vivacidade.
Não lhe passavam por alto os episódios e as dissertações, que respiram certas liberdades, verdadeiramente rabelesianas, capazes de alvoroçar os ouvidos menos pechosos. O episódio dos amores do tio Tobias e os do seu fiel camarada, de índole menos quixotesca, eram até das passagens favoritas e das que com mais cordiais risadas comentava.
Vinham luzes e prosseguia o diálogo, nem sempre demasiado ingénuo.
Ao levantar da mesa, tomavam-se posições ao fogão; a conversa continuava, mas o ponto culminante da loquacidade e da viveza de Mr. Richard Whitestone tinha passado já.
Neste primeiro período de declinação sobrevinham as citações do Tom Jones.
Mr. Richard não se cansava também de exaltar aqueles soberbos perfis da pena de Fielding e as judiciosas reflexões que o autor mistura à narrativa.