O orgulho leva muitas vezes o criminoso a recusar defender-se nos tribunais humanos; nem o desprezo geral, nem as severidades da lei são bastantes para o obrigarem a vergar a cabeça; tem coragem para adoptar o crime, deixando-lhe o nome de crime; mas esse mesmo, a sós, no tribunal da consciência, procurará com ardor pleitear a causa que abandonou perante juízes, de cujas mãos pode sair a sentença de morte.
Longe de nós querer estabelecer analogias, muito íntimas, entre estes perpetradores de grandes maldades e Carlos, que, para com a consciência, só tinha a justificar-se de um desses pecaditos que, mais ou menos, há-de forçosamente cometer quem não tenha nas veias um sangue de vinte anos.
Mas é um tal júri o da consciência, que, sempre que tais pleitos são necessários no seu tribunal, a causa é já por isso má. Para as justas dispensa advogados.
Não procuremos iludir-nos nós, como Carlos; sem querer duvidar dos bons sentimentos dele, pode-se ir buscar outras razões para a visita, cujos pormenores no último capítulo relatámos.
O que é fora de dúvida é que, depois daquela vigília em que o leitor o viu, não teve Carlos pensamento e imaginação, senão para descobrir um meio de tornar a encontrar-se com Cecília e de falar-lhe.
O resultado foi o que sabemos.
Se havia sido tão profunda a impressão produzida por a casual revelação do teatro naquele espírito afectado já de vagos prelúdios do mal, mais a fundo se gravou ainda depois da visita feita a Cecília.
Parecia que nas poucas palavras que nessa entrevista Cecília pronunciara, Carlos tinha decifrado sentidos ocultos; pensava nelas!
Depois a consciência de ter sido quase evocado por aquela mal distinta figura de mulher, quando dias antes fitara de longe distraidamente os olhos em uma janela, avultava-lhe agora como uma coisa acima do simples acaso; por pouco estava a acreditar que a secreto influxo lhe haviam nesse dia obedecido os olhos.