Vejam se não é sério o estado do coração de Carlos, que assim está quase a torná-lo supersticioso.
Eram duas horas da tarde quando Carlos chegou a casa. Tomando por uma rua do jardim, para onde se abriam as janelas do quarto da irmã, parou por baixo delas, e bateu nos vidros uma leve pancada.
Pouco depois agitaram-se, afastando-se, as cortinas, e o vulto de Jenny acudiu àquele sinal.
– És tu, Charles?! A estas horas!
– Podes falar-me, Jenny?
– Entra.
Carlos tornou outra vez por a rua, por onde viera; entrou no portal; atravessou alguns corredores e dentro em pouco achava-se no quarto de Jenny.
Jenny estava ocupada na feitura do enxoval de uma criança recém-nascida, cuja pobre família era socorrida por a bondosa menina.
Carlos sentou-se ao lado da irmã.
Jenny continuou a trabalhar.
– Então que milagre é este? As magnólias do jardim haviam de fazer um espanto ao verem-te entre si a estas horas do dia!
– Sabes de onde venho? – perguntou Carlos, em vez de responder e brincando maquinalmente com um colar de corais, que tirara de cima do toucador.
– Eu, não – disse Jenny, sem olhar para o irmão.
– Venho de casa de Manuel Quintino.
– De casa de Manuel Quintino? E a que foste lá?
– Pedir perdão a Cecília.
Houve um intervalo de silêncio.
Jenny voltara-se subitamente para Carlos, fixando nele o olhar sério e penetrante; Carlos, com a cabeça baixa, parecia todo absorvido na tarefa de contar o número de corais de que se compunha a enfiadura.
– Dizes a verdade, Charles? – perguntou Jenny, ainda imóvel, e continuando a fitá-lo.
– Então porque não há-de ser isto verdade?– replicou Carlos, também na mesma posição.
– E falaste-lhe?
– Falei.
– Que lhe disseste?
– Confessei-me culpado de quanto tivera lugar naquela noite do baile e… pedi-lhe perdão…
– E ela?…
– E ela… – prosseguiu Carlos, pousando enfim o colar – depois de algumas modestas hesitações… perdoou-me.