– Muito obrigada. Então ainda se dá bem na casa?
– Vamos andando. Da maneira por que hoje as coisas estão, ainda não é das piores.
– Diz bem. A soldada, a falar a verdade… acho que não é lá das de tentar, mas…
– Está feito, está feito; há-as melhores e há-as piores – disse a Sr.a Antónia, que não gostava de entrar em particularidades da sua vida, nem para isso vinha.
– Ele também… – insistia a outra – não pode alargar-se muito. Um caixeiro…
– Deixe lá. Há por aí patrões que vivem em maiores apertos.
– Diga-mo a mim, Sr.a Antoninha. Olhe a minha Luísa… Conhece? A filha do nosso António. Pois esteve ali abaixo a servir seis meses em casa do comendador Colaço e saiu de lá porque aquilo chegava a pouca vergonha. Os criados passavam fome de rato. Olhe que chegavam a dar-lhes pão de uma semana e a comprar sardinha da caravela para a ceia deles. Pois quem via aquilo na rua, parecia que tinham as rendas do bispo.
– Pschi! E quando ao menos são prontos na soldada!
– Prontos?! Isso sim! A uma criada, que lá esteve três anos, ainda hoje estão a dever um ano inteiro. Ora isso é mesmo uma dor de consciência, não acha?
– Mas então que quer? O luxo é muito.
– É assim, é. Diz bem. É uma coisa por maior! Vossemecê há-de conhecer aquele Maltês, que é não sei o quê na administração, um homem bem afigurado, que anda sempre com um cão preto…
– Ai, bem sei. O cunhado daquele militar de quem dizem as más línguas…
– Tal e qual. Pois não sei se tem reparado no luxo com que se apresentam as filhas e a mulher. Ó Santo Deus! Enfim, uma coisa é ver, outra é dizer. Aqui há dias passaram aí todas e eu benzi-me e tornei-me a benzer! Não que nem a rainha pode luxar assim. Qual! Ora, veja a Sr.a Antoninha, o pai dizem que não ganha mais de trezentos mil réis por ano.