Milagres não se fazem… O dinheiro não nasce no quintal…
– Deus sabe donde ele vem.
– Eu também sei alguma coisa, vamos lá. Sei a quem magoam muitas daquelas grandezas. Olhe que a senhora dele tem chegado a pedir emprestado a uma rapariga, filha de uma amiga minha, que esteve lá a servir muitos anos. A rapariga, coitadita, que se mata a trabalhar… porque ela hoje é engomadeira, teve vergonha de dizer que não, e, adeus minha vida.
– Tola foi; cá para mim é que eles vinham bem guiados.
– Por isso eu digo: a Sr.a Antoninha não é das que têm razão de queixa.
– Ai, não sou, não, senhora; isso não sou; graças a Deus.
– O passadio é bom?
– É bom é, sim, senhora; lá nisso não há que dizer…
– O pior que ali tem é a prisão; pelos modos sai poucas vezes. Tirante lá, aos domingos, o ir visitar o Senhor ao Carmo.
– Bem vê que o patrão quase nunca está em casa… e é uma menina só…
– E a pequena não tem por aí já a sua inclinação? Há-de ter…
– Não… Que eu saiba…
– Há-de ter, há-de ter. Hoje em dia! Olhe a Sr.a Antoninha aquela rapariga do Cosme Vilas-Boas, uma criança se pode dizer… pois o que aí vai já com ela por causa do filho do escrivão!
– Sim! Então?…
– Ora! Nem quero que me lembre! É um desaforo! O pai dela, no outro dia, pescou-o a falar com a pequena, e correu para o rapaz com uma navalha. O rapaz fugiu, e a mãe dele veio então à janela e pôs-se a berrar com o velho. Sempre disseram coisas uma à outra aquelas duas criaturas! Um passo assim!
– Não que há gente neste mundo!
– O pai pelos modos queria-a casar com o brasileiro que anda a fazer aquelas casas em Santa Catarina.
– Isso era uma mina para a rapariga!
– Mas então que quer? Virou-se lá para o filho do escrivão.
– Forte tola!
– E ele então que é uma figura! Não conhece?
– Eu não.