– É um belo relógio! – dizia o ourives. – Valioso por todos os respeitos.
Mr. Richard fez um sinal afirmativo com a cabeça, e prosseguiu calado no exame.
– É inglês, não é verdade? – perguntou daí a instantes.
– É, sim, senhor. De fabricantes muito acreditados.
– E então… mandou-o vir directamente da Inglaterra?
– Não, senhor…
O ourives principiou a olhar para Mr. Richard com mais cuidado. O que estava pensando, ao olhá-lo assim, não sei; mas uma sombra de desconfiança parecia anuviar-lhe o semblante. Passados alguns instantes continuou:
– Para falar com franqueza a V. S.a, ainda não há muitas horas que o comprei.
– Ah! E… pode saber-se a quem?…
– Comprei-o a um rapaz, que eu conheço de vista, mas cujo nome ignoro… Suponho que é também inglês… Vinha num carro com uma senhora…
Mr. Richard abriu muito os olhos, fitando o ourives, e repetiu:
– Com uma senhora?…
– Sim, uma senhora ainda nova, vestida de preto, que ficou à espera dele. O rapaz entrou aqui, disse que estava para ir para fora da terra, e propôs-me a compra do relógio e da corrente… Entrámos em ajuste…
– Bem, bem; pouco me importa isso – disse Mr. Richard, com ligeiras e convulsivas contracções de lábios, que eram nele indício de cólera reprimida. – Vamos a saber: por quanto mo vende agora?
O ourives fez valer os seus direitos a algum módico lucro, direitos que Mr. Richard não lhe contestou, vindo afinal a comprar, pela segunda vez, o relógio e a corrente com que havia já presenteado o filho.
Porque não havia para ele dúvida, e escusa de a haver para o leitor, de que eram exactamente aqueles mesmos os objectos que tinha agora presentes.
Ao sair da loja, Mr. Richard ia com a fisionomia outra vez serena, mas lá por dentro, quem o pudesse perscrutar, encontraria um grau de irritação a que raras vezes lhe subia o génio fleumático.