E tomou entre as suas as mãos de Carlos.
Carlos sentiu que as dela começavam a arrefecer, dessa frialdade de gelo que excita em nós uma repulsa instintiva. Pela primeira vez lhe acudiu a ideia de que podia ser aquela a última noite da pobre mulher.
Este pensamento fê-lo olhar para ela com mais atenção.
A escassa luz da lamparina ainda lhe permitiu conhecer a profunda alteração de feições, que a pobre demente apresentava.
Deram nove e dez horas, e Carlos não saíra de junto da velha criada que, segura às mãos dele, estremecia ao menor movimento que sentisse, como receando ser abandonada outra vez. Era tal o terror que mostrava de ficar só, que tirou o ânimo a Carlos de tentar sequer deixá-la.
Assim as horas, que ele contava passar na companhia de Cecília, iam-lhe correndo junto desta desgraçada octogenária, que com discursos incoerentes, de mistura com risos e com pontos igualmente expressivos de desvario, o conservou ali.
Pouco a pouco, principiou a tornar-se-lhe mais tardia e ininteligível a pronúncia, mais sumida a voz, mais enevoado o olhar.
– Puseram-me estes ferros… – murmurava ela, interrompendo-lhe a ânsia, a cada instante, as palavras sem nexo que dizia – pensam que eu não sou… Kate?… sou Kate, sou!… Foi à viúva do fogueiro… que eu dei… o vestido verde… O fogueiro morreu… morreu no mar… É porque não são bons cristãos… Não foi o galo que cantou, foi a coruja… Dizia que eram esmeraldas e… assim é que a irmã se perdeu… O cedro chorava… era o pai dela…
Carlos, pousando-lhe a mão no pulso, mal o pôde já perceber… Tentou sair, para chamar alguém que ministrasse os socorros precisos, mas a contracção com que a velha o segurou, o estremecimento que lhe correu pelo corpo, ao sentir a tentativa de Carlos, obrigaram-no a desistir.