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Capítulo 27: XXVII - O motivo mais forte

Página 309

E tomou entre as suas as mãos de Carlos.

Carlos sentiu que as dela começavam a arrefecer, dessa frialdade de gelo que excita em nós uma repulsa instintiva. Pela primeira vez lhe acudiu a ideia de que podia ser aquela a última noite da pobre mulher.

Este pensamento fê-lo olhar para ela com mais atenção.

A escassa luz da lamparina ainda lhe permitiu conhecer a profunda alteração de feições, que a pobre demente apresentava.

Deram nove e dez horas, e Carlos não saíra de junto da velha criada que, segura às mãos dele, estremecia ao menor movimento que sentisse, como receando ser abandonada outra vez. Era tal o terror que mostrava de ficar só, que tirou o ânimo a Carlos de tentar sequer deixá-la.

Assim as horas, que ele contava passar na companhia de Cecília, iam-lhe correndo junto desta desgraçada octogenária, que com discursos incoerentes, de mistura com risos e com pontos igualmente expressivos de desvario, o conservou ali.

Pouco a pouco, principiou a tornar-se-lhe mais tardia e ininteligível a pronúncia, mais sumida a voz, mais enevoado o olhar.

– Puseram-me estes ferros… – murmurava ela, interrompendo-lhe a ânsia, a cada instante, as palavras sem nexo que dizia – pensam que eu não sou… Kate?… sou Kate, sou!… Foi à viúva do fogueiro… que eu dei… o vestido verde… O fogueiro morreu… morreu no mar… É porque não são bons cristãos… Não foi o galo que cantou, foi a coruja… Dizia que eram esmeraldas e… assim é que a irmã se perdeu… O cedro chorava… era o pai dela…

Carlos, pousando-lhe a mão no pulso, mal o pôde já perceber… Tentou sair, para chamar alguém que ministrasse os socorros precisos, mas a contracção com que a velha o segurou, o estremecimento que lhe correu pelo corpo, ao sentir a tentativa de Carlos, obrigaram-no a desistir.

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pág. 309 (Capítulo 27)

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Capa do livro Uma Família Inglesa
Páginas: 432
Página atual: 309

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Espécie de prólogo, em que se faz uma apresentação ao leitor 1
II - Mais duas apresentações, e acaba o prólogo 11
III - Na Águia de Ouro 21
IV - Um anjo familiar 42
V - Uma manhã de Mr. Richard 53
VI - Ao despertar de Carlos 61
VII - Revista da noite 71
VIII - Na praça 81
IX - No escritório 94
X – Jenny 110
XI – Cecília 119
XII - Outro depoimento 128
XIII - Vida portuense 139
XIV - Iminências de crise 159
XV - Vida inglesa 168
XVI - No teatro 182
XVII - Contas de Carlos com a consciência 197
XVIII - Contas de Jenny com a consciência de Carlos 212
XIX - Agravam-se os sintomas 222
XX - Manuel Quintino procura distracções 236
XXI - O que vale uma resolução 247
XXII - Educação comercial 262
XXIII - Diplomacia do coração 277
XXIV - Em que a senhora Antónia procura encher-se de razão 283
XXV - Tempestade doméstica 290
XXVI - Ineficaz mediação de Jenny 298
XXVII - O motivo mais forte 305
XXVIII - Forma-se a tempestade em outro ponto 312
XXIX - Os amigos de Carlos 326
XXX - Peso que pode ter uma leviandade 344
XXXI - O que se passava em casa de Manuel Quintino 353
XXXII - Os convivas de Mr. Richard 362
XXXIII - Em honra de Jenny 371
XXXIV - Manuel Quintino alucinado 381
XXXVI - A defesa da irmã 397
XXXVII - Como se educa a opinião pública 406
XXXVIII - Justificação de Carlos 412
XXXIX - Coroa-se a obra 422
Conclusão 432