Contudo a confiança que depositava em Cecília era tal que, não obstante conhecer o carácter leviano de Carlos, hesitava ainda em supor mal do que, pela primeira vez, ouvia.
– E depois voltou?
– Até o tal dia, em que o senhor adoeceu, não; mas quem o quisesse ver era chegar, aí a certas horas da manhã, e ao cerrar a noite, à janela.
– Sim; eu lembro-me de que às vezes…
– Ali, a estanqueira é que me fez reparar.
– Mas isso lá…
– Pois não tem nada, bem sei; mas, quase sempre a menina, às mesmas horas, estava à janela…
– Cecília?!
– É verdade. E desse tempo é que vem aquela mudança nela.
Manuel Quintino passou a mão pela testa, como para arredar de si uma ideia aflitiva.
– Depois então – continuou Antónia – veio o pé da sua doença e dos negócios do escritório, e aí o tivemos metido em casa. Então julga o Sr. Manuel Quintino deveras que ele teria paciência para assim aturar tanto tempo, se…
– Cale-se, mulher! – exclamou Manuel Quintino, com voz alterada. – Carlos é generoso. Para servir um amigo, não hesita em sacrifícios.
– Será; mas olhe que não fui eu só que desconfiei.
– Era preciso ser muito infame para abusar assim da confiança de um homem velho, honrado e doente… Não; nem Carlos nem Cecília entrariam nessa indigna combinação!…
– Eu não digo que fosse combinação de ambos; tanto não digo eu; mas, enfim… além de mim, houve quem pensasse…
– Isso sei eu; e cá recebi o golpe. A carta anónima não deixou de me chegar às mãos.
Mostrei-a a Carlos; e saiba então que foi ele, ele próprio, que resolveu não voltar cá mais.
– Ai, sim? Pois essa não sabia eu! Agora é que vejo de que casta ele é. Então quer que lhe diga? Depois que ele deixou de cá vir, uma noite ouvi correr o fecho da porta do quintal. Era noite de luar; ainda estava a pé e espreitei à janela.