Adquirido o hábito do mal, até o mal, até a dor lhe é indispensável.
Mr. Richard ficou algum tempo calado, como a meditar sobre a lei do hábito enunciada pelo seu amigo.
Depois, perguntou:
– Não haverá meia hora na vida durante a qual Mr. Morlays veja este mundo com bons olhos?
– O defeito não está nos meus olhos, creia; mas no que a eles se apresenta de contínuo. Este é o pior dos mundos, acredite.
– Tristram Shandy – disse Mr. Richard, sorrindo – lamenta também não ter nascido na Lua ou em outro qualquer planeta, excepto Júpiter e Saturno, por causa de serem muito frios; por isso que, diz ele, em outro qualquer não lhe podiam ter corrido as coisas pior do que neste, o qual ele julga ter sido feito com os acréscimos e as aparas dos outros… Eh! eh! eh!… Mr. Morlays não hesitaria em dizer o mesmo; estou vendo.
– E por que havia de hesitar?
O criado, entrando outra vez, anunciou Mr. Brains.
– Oh! oh! – disse Mr. Richard – aí vem o antídoto contra a sua influência pessimista.
Este vê tudo azul-celeste! – notou Mr. Morlays, com sorriso de comiseração.
Ouviu-se no corredor uma voz cantando jovialmente:
God save Victoria!
Long live Victoria!
God save the Queen!
E Mr. Brains, inglês que reagia pertinazmente contra a sisuda etiqueta nacional, entrou com grande exibição de cumprimentos e de mesuras para a direita e para a esquerda, simulando atravessar por entre filas de personagens, que o saudavam, e ia dizendo:
– Mylords! myladies! gentlemen! sem incómodo! sem incómodo! – e chegando perto de Mr. Richard: – Bons-dias, lord Whitestone, bons-dias; folgo muito de vos ver tão bem-disposto. Oh! nosso leal súbdito, lord Morlays! – como vai o diabo preto que vos acompanha para toda a parte?
– Não tão bem-disposto como o diabo cor-de-rosa de Mr.