As Aventuras de Tom Sawyer - Cap. 19: Capítulo 19 Pág. 99 / 174

- Qual casca?

- A casca onde escrevera que tínhamos fugido para sermos piratas.

Agora até tenho pena de que a tia não acordasse quando a beijei. Palavra que tenho.

As rugas da cara da tia desfizeram-se e, por momentos, os seus olhos brilharam de ternura.

- Tu beijaste-me, Tom?

- Beijei, sim, tia.

- Tens a certeza disso, Tom?

- Tenho, sim, tia, a certeza absoluta.

- Porque me beijaste, Tom?

- Porque gosto muito de si e quando a ouvi lamentar-se tive uma grande pena.

O pequeno parecia dizer a verdade e a tia Polly em vão quis dominar a tremura da voz quando disse:

- Dá cá outro beijo agora, Tom, e vai já para a escola sem me ralares mais.

Mal o rapaz saiu, a senhora correu a um armário e tirou de lá a ruína do casaco com o qual Tom tinha sido pirata. Parou, com ele na mão, e disse consigo própria:

- Não. Não me atrevo. Coitado! Calculo que me mentiu, mas foi uma mentira piedosa e que me deu tamanha consolação!... Deus lhe perdoe! Sei que Deus lhe perdoa, porque foi o seu bom coração que o fez mentir. No entanto, não quero ter a certeza que me mentiu. Não quero ver.

Tornou a arrumar o casaco e ficou a meditar um momento. Por duas vezes levantou a mão para lhe pegar e duas vezes se conteve. Aventurou -se ainda uma vez, mas procurou confortar-se com esta ideia:

- Foi uma mentira piedosa. Foi uma mentira piedosa, por isso não quero apoquentar-me a pensar nela.

No entanto, procurou nos bolsos do casaco e, momentos depois, acabando de ler, por entre lágrimas, o que Tom escrevera no bocado da casca, murmurou:

- Ainda que tivesse cometido um milhão de pecados, era capaz de lhos perdoar depois disto!





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