As Aventuras de Tom Sawyer - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 114 / 174

- A mim consertou-me muitas estrelas de papel e prendia-me os anzóis à linha. Gostava bem de o livrar desta!

-Também eu, mas não podemos fazer nada, Tom. Além disso, ainda que o ajudássemos a sair da cadeia, de pouco serviria, porque o agarravam outra vez.

- Isso é verdade. Mas não posso ouvir acusarem-no dessa maneira, quando afinal não foi ele que... fez aquilo.

- Estás como eu, Tom, mas a verdade é que todos dizem que ele é o mais sanguinário vilão destes sítios, e admiram-se de que nunca o tenham enforcado.

- Dizem isso, dizem. E também já ouvi que, se fosse posto em liberdade, o linchavam.

- E lincham.

Os dois rapazes conversaram assim longamente, mas nem por isso se sentiram melhor. Ao anoitecer estavam perto da pequena prisão isolada, talvez com uma vaga esperança de que acontecesse alguma coisa que os livrasse de dificuldades. Mas não aconteceu nada. Parecia não haver anjos nem fadas que se interessassem pelo infeliz prisioneiro.

Os rapazes fizeram como faziam sempre. Foram junto das grades da prisão e deram a Potter algum tabaco e fósforos. Ele estava no rés-do-chão e não havia guardas.

A gratidão do preso pelos presentes deles sempre lhes despertara escrúpulos de consciência, mas naquele dia mais do que nunca. Sentiram-se cobardes e traidores ao último ponto, quando Potter disse:

- Rapazes, vocês têm sido muito bons para mim. Têm sido melhores do que ninguém na aldeia, e não esqueço isso. Muitas vezes digo com os meus botões que costumava remendar as estrelas de papel a todos os rapazes da aldeia e dizer-lhes quais eram os melhores lugares para pescar; agora que o velho Muff se vê em trabalhos, nenhum se lembra dele, mas Tom e Huck não o esqueceram. Da mesma maneira também os não esqueço. Olhem, rapazes, fiz uma coisa terrível num momento em que estava bêbedo - é a única explicação que encontro - e agora vou ser enforcado. É justo... - justo e o melhor que me pode acontecer, naturalmente. Mas não quero falar-lhes nisto, para não os entristecer. Só quero dizer-lhes que nunca se embebedem, para não passarem o que eu tenho passado nem virem aqui parar. Afastem-se um bocadinho para eu os ver. É uma consolação ver caras amigas quando se está infeliz e não vem aqui ninguém senão vocês. Caras amigas! Caras amigas! Trepem às costas um do outro para poder fazer-lhes uma festa. Assim, agora um aperto de mão.





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