A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 22: XXII Pág. 346 / 508

são as obras políticas que precisam da sombra e do mistério para se fazerem? Pois, para dirigir ou salvar uma nação, pois para se tratar dos interesses de um povo, é sempre necessário o disfarce, a dissimulação, o mistério?

- Quando se não pode contar com a boa-fé dos outros, perde sempre quem for escrupulosamente fiel à sua.

- Mais valeria então abandonar por uma vez essa carreira cruel... Oh! Ainda agora reparo... Tem aí as folhas de Lisboa... deixe-mas ver... quero saber que carta é esta.

Henrique procurou dissuadi-la. Um número avulso de um periódico, que não costumava vir ao Mosteiro, havia-lhe já feito suspeitar que era esse o que publicava a carta em questão. Não fazendo do conselheiro tão subido e ideal conceito como a Morgadinha, achava muito natural que efectivamente o comprometesse a carta aludida. Conhecendo bastante Madalena, sabia quanto seria cruel para o seu extremoso coração de filha, e para o seu carácter apaixonado por tudo quanto era idealmente nobre, generoso e justo, o descobrir no pai uma dessas máculas frequentes na vida dos homens políticos, por mínima e desvanecida que fosse. Por isso quis evitar-lhe a leitura. Não o conseguiu, porém. Madalena, com aquela firmeza de resolução que energicamente se lhe revelava na voz e no gesto, disse, estendendo a mão para receber os periódicos:

- Deixe-me ver, primo Henrique. Não é possível que de meu pai se diga aí alguma coisa que não devam ler os olhos de uma filha.

E quase arrebatou das mãos de Henrique a folha, justamente aquela de que ele mais receava.

E, abrindo-a, examinou-a com ansiedade quase febril.

Henrique observava com curiosidade os movimentos e a fisionomia de Madalena.

Viu-a tornar-se de repente mais atenta à leitura; os olhos, que





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