A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 1: I Pág. 6 / 508

Foram estes os que, em parte de boa fé, em parte com o desculpável intuito de sacudirem de si tal pesadelo, lhe deram um dia de conselho que fosse viajar.

Henrique de Souselas julgou ouvir uma heresia nesta palavra: viajar.

Viajar? E os seus aneurismas? E as suas iminências apoplécticas? E as suas disposições para tantas outras enfermidades? Pois um homem pode lá viajar com esta bagagem patológica! E se lhe desse alguma coisa pelo caminho? Recusou com mau humor a receita, e ficou na capital.

Exacerbaram-se os padecimentos, repetiram-se as consultas, e os médicos, como se para isso apostados, a insistirem em que saísse de Lisboa.

- O senhor não tem nada - diziam alguns.

Henrique perdia a cabeça, ao ouvir isto.

Prolongou-se este estado de coisas, até que um dia o hipocondríaco rapaz persuadiu-se muito seriamente de que estava chegada a sua hora extrema.

Um médico velho e grave, que por essa ocasião o escutou, em vez de se rir dele, disse-lhe, muito sisudo:

- Homem! O senhor está realmente mal. Esse estado de imaginação não pode prolongar-se mais tempo, sem romper por aí em alguma doença que o sacrifique. Se quiser salvar-se, saia-me daqui, enquanto é tempo. Quebre com todos os hábitos, e escolha entre as fortes impressões de uma grande capital, como Paris ou Londres, ou as mornas sensações de um completo viver de aldeia. Os revulsivos e os emolientes curam por meios opostos às vezes as mesmas moléstias.

Ora sucedeu que nesse mesmo dia recebesse Henrique um presente de fruta de uma sua tia, santa criatura que ele, desde criança, não tornara a ver. Vivia regalada em uma aldeia sertaneja do Minho, onde na idade de cinco anos Henrique passara alguns meses na companhia de sua mãe.

Aquele presente frugal recordara-lhe esse tempo, já meio apagado na memória, e conseguira fazer-lhe saudades.





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