A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 6: VI Pág. 87 / 508

O conselheiro era um homem muito do século. O seu trato social, a frequência dos círculos políticos e elegantes, haviam-lhe dado todas as boas e más qualidades, que caracterizam aquela classe de homens, e sabe-se que a candura de sentimentos não entra no número das mais habituais dessas qualidades. Tinha uma razão clara, mas fria; se abraçava uma boa causa, não o fazia cedendo ao entusiasmo, mas somente depois de ponderar fleumaticamente os fundamentos em que ela se baseava; assim era que, em política, se costumara a contemporizar, espaçando a adopção de qualquer medida, inquestionavelmente boa, para tempos em que fosse mais conveniente; não se apaixonava por utopias, desconfiava delas; havia muito tempo que desviara dos olhos o prisma encantado, através do qual olham o mundo os poetas e todos os mais sonhadores; costumara-se a marcar por modelo, nas diferentes carreiras da vida, não um tipo ideal, dotado de todas as virtudes, limpo de todos os defeitos e vícios; assentara a menor altura o alvo; parecia-lhe que bom fito eram já os indivíduos que tinham conseguido maior consideração na sua classe: as máculas que eles tivessem, eram, por esse facto, máculas autorizadas. O pensar de outro modo era pensar de romance; agradável para entreter, porém mau nas aplicações às coisas da vida. Numa palavra, o conselheiro era um homem de bem, mas na esfera mundana; não um daqueles tipos de pureza cristalina, através da qual parece passarem sem desvio os raios da luz celeste, mas já um tanto embaciado do bafo social, que não o fazia ainda totalmente opaco.

Por isso sorriu à declaração de Augusto. A carreira eclesiástica não lhe parecia tão escabrosa como o futuro sacerdote a fazia; nem tão dura a lei como em teoria se mostrava. O conselheiro não pensava necessário tomar ao pé da letra certos deveres impostos; o mundo seria, como ele, tolerante em naturais infracções; por tudo isso se riu.





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