- Deixe estar, meu padrinho, deixe estar; tenha um bocadinho de paciência. É um instante enquanto acendo o lume e lhe faço o caldo. Verá.
A pessoa que assim falava ao entrar para a cozinha era uma rapariga de doze anos, alva e franzina, como a mais delicada criança da cidade, com os olhos negros e expressivos de inteligência e de doçura, e com os mais formosos cabelos louros que ainda enfeitaram uma cabeça infantil. Não havia neles sombra que desvanecesse aquela cor deslumbrante; reflectia-se-lhes a luz nas ondas, naturalmente lustrosas, como em tenuíssimos fios de metal; usava- -os soltos e caídos, sem vislumbre de artifício, de um e de outro lado do colo.
Condizia com a expressão angélica do semblante o suave e afectuoso timbre de voz com que falara.
O leitor prevê decerto que é Ermelinda, a filha do Cancela, ou Lindita, como geralmente na aldeia lhe chamavam, a criança que tem na sua presença.
Ermelinda sobraçava um molho de hortaliça, que fora colher ao quintal, e dirigia-se com ela para o lar, que o descuido e a indiferença conjugal deixavam ainda apagado àquela hora do dia.
Dando, porém, com os olhos em Augusto, parou, sorrindo-lhe.
- Ai, pois estava aí, Sr. Augusto!? E o meu padrinho talvez sem reparar.
A estas palavras o desditoso marido voltou a cabeça e fitou em Augusto um dos seus desemparelhados olhos.
Olá, Sr. Augusto! Viva! Passe muito bem! Entre; esta casa é sua... De jantar não lhe ofereço... porque... porque... Forte desgraça a minha... Olhe! Repare para este desaforo!... Venho para casa, morto de trabalho... e vejo o lar apagado! A minha mulher está a ouvir missa, a confessar-se, a comungar.