A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 1: I Pág. 11 / 508

O povo, como o outro que diz, tem sua aquela em se enterrar fora da igreja. Ele, a falar a verdade... Eu bem sei que tudo vai do costume... mas enfim a gente foi criada nisto... Mas a pedra é coisa asseada. É como as que estão na cidade.

Henrique, transido de frio, quebrado de desalento, já nem atendia ao que o homem ia dizendo.

Cerrava-se a noite de todo, quando atingiram enfim o vale. O terreno mudava agora de aspecto. Apareciam já, aqui e ali, alguns indícios de cultura, anunciando a proximidade de um povoado. Os caminhos estreitavam, internando-se no vale, e seguiam tortuosamente por entre muros toscos de pedra ensossa, silvados e sebes naturais. A chuva, que não cessara de cair, transformara estes caminhos, onde o declive não dava escoamento às águas, em charcos e tremedais.

Novos indícios da vizinhança da aldeia iam sucessivamente aparecendo.

Aqui era uma manada de bois soltos, em direcção do curral, guiados por uma criança de palhoça e pernas nuas, os quais paravam a olhar com aquela expressão de composta curiosidade, que lhes é peculiar, para o recém-chegado visitante da aldeia. Não faltou receio a Henrique, que supôs a estes bonacheirões quadrúpedes a índole travessa e bravia dos touros a cuja chegada tantas vezes fora assistir em Lisboa.

Mais adiante passava por eles uma fileira de carros a vergarem sob o peso do mato e atroando os ares com o chiar incómodo das rodas sob o eixo, incómodo para os ouvidos cidadãos de Henrique, cujos nervos se irritavam com ele, mas aparentemente agradabilíssimo para os condutores aldeãos, que ou dormiam ou cantavam com aquele acompanhamento.

Num e noutro ponto deparavam-se-lhe já algumas casas de tecto de colmo, de cujas inúmeras fendas saía um fumo espesso, que a atmosfera húmida mal deixava elevar nos ares.





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