- Por uma razão muito poderosa, Criste: porque ias abrir o coração a um sentimento mau, que macularia o teu carácter generoso e cândido - a desconfiança. Porque me ofenderias, duvidando da lealdade com que te falo, quando te falo séria; e porque me farias mal sem necessidade e imerecidamente, pois que a consciência me diz que to não merecia. Satisfaz-te esta razão? A voz de Madalena perdera o tom de ironia, que às vezes tinha, e tomara quase o da comoção.
Cristina arrependeu-se logo do que dissera, e, também comovida, apertou as mãos da amiga.
- Não faças caso do que eu disse, Lena; perdoa-me. Quando eu duvidar de ti, pedirei a Deus que me tire a vida, porque terei já, para tudo e para sempre, envenenado o coração.
A Morgadinha readquiriu outra vez o seu bom humor.
- Estamos quase a cair no sentimentalismo. Cautela! Saldemos antes as nossas contas, como mulheres de juízo. Em compensação da pequena ofensa que me fizeste, vais-me fazer uma confissão formal, a qual até agora tens evitado. Ora confessa: adivinhei o estado do teu coração? Dize.
Cristina hesitou.
- Vamos - insistiu a Morgadinha, acredita que preciso de uma declaração para me guiar... E crê que é para bem teu.
- Que queres que te diga? Eu não me sinto apaixonada.
- Mas já te disse que me bastava um termo menos violento... um «agradada», por exemplo.
- Confesso que...
- Olha, se queres, podes até parar aí. Esse «confesso que...» já diz muito. Agora deixa-te guiar por mim. Eu vigiarei. Afianço-te que não corro o perigo de me apaixonar por ele; creio que há ali um excelente coração, mas que queres? Não é o tipo que me agrada... o meu ideal, como se costuma dizer.
- E então qual é o teu ideal?
- Ai, eu sou muito exigente. Desespero de o encontrar.