Os meios conhecimentos que das suas habituais leituras extraíra, e os erros que de tais livros assimilara, eram os elementos com que chegou a arquitectar uma ciência informe, que na aldeia passava por maravilhosa.
E o caso era que a fama do homem voara de freguesia em freguesia, de concelho em concelho, e de muito longe o vinham ouvir como a oráculo.
Os costumes do velho, que errava por vales e montes à procura dos símplices, cujas ocultas virtudes conhecia, as suas maneiras rudes, a austeridade da fisionomia, a franqueza, sem contemplações, com que dizia quanto pensava, tinham gravado fundo na imaginação popular aquele tipo, para ela quase lendário.
Depois de se sentar à mesa, o ervanário estendeu familiarmente a mão a Augusto, que lha apertou com afecto.
- Bons dias, rapaz - disse o velho; e, dirigindo-se a Madalena e Cristina, acrescentou com maneiras paternais: - Adeus, pequenas; grandes madrugadas hoje! Voltou-se depois para Henrique, e fitou-o com olhos inquisidores e quase desconfiados, terminando por lhe dizer simplesmente:
- Guarde-o Deus! Henrique correspondeu-lhe no mesmo tom.
Sem mais o atender, Vicente voltou-se para Madalena e perguntou- lhe em voz audível para Henrique, e referindo-se a ele.
- Quem é? Henrique respondeu com ligeiro tom de mofa:
- O homem que, melhor que ninguém, está habilitado a responder a essa pergunta.
O velho nem sequer o olhou.
- Este senhor - respondeu Madalena - é sobrinho de D. Doroteia; está hóspede em Alvapenha. Veio para aqui restabelecer-se da saúde.
- Então é doente?... Não parece... Olhar vivo... Cores boas... voz sã... Hum!... Madalena julgou perceber que as maneiras rudes do velho estavam desagradando a Henrique; por isso apressou-se a intervir, respondendo jovialmente:
- A doença deste senhor é um pouco de imaginação.