- E grandes efeitos nascem daí - acudiu sentenciosamente o velho. - Lá vêm na Polianteia muitos casos curiosos. Um homem, por ter comido umas amoras, foi atacado de dores de cabeça, de que morreu. Pois tanto cismou que das amoras lhe viera o mal, que até se lhe formou no crânio uma pedra do feitio de uma amora.
- Com efeito! - disse Henrique, com irónica expressão de pasmo - Aí estava um cérebro de concepções rijas.
- É divertido! - disse Vicente, com ligeiro sarcasmo e olhando para Madalena.
- Pelo contrário - acudiu a Morgadinha - o seu mal é a melancolia. Não é verdade?
- Eu já não sei qual é o meu mal. Estou quase a dar razão à tia Doroteia, que lhe chamou mania.
- Mania e melancolia não são a mesma coisa - emendou o velho. - Também lá na Polianteia se diz isso bem claro. A melancolia é sem ira nem fúria, porque procede de humor frio, e a mania, de sangue quente ou cólera requeimada.
- De cólera requeimada? Deve ser uma coisa terrível! - continuou Henrique, no mesmo tom.
Madalena, receando que a ironia dos comentários de Henrique, acabasse por irritar o velho, perguntou a este:
- Parece-lhe que terá cura a doença?
- Pode ter; mais rebeldes melancolias se curam. Este é divertido, afinal. Hum!... Mas contra tristezas e manias não há como folhas de ouro em caldo de frângão com flores de borragem e de erva-cidreira.
- Este é como os calvos que vendem aos outros pomadas para fazer nascer o cabelo; é um argumento vivo contra a eficácia da beberagem que receita para as manias - disse Henrique a meia voz para Augusto, que lhe ficava próximo.
O velho, que não tinha ainda dado mostras de ofensa pelas maneiras impertinentes de Henrique, corou desta vez e faiscou-lhe nos olhos um relâmpago de irritação.