Deixemos, pois, por momentos, os nossos conhecidos, e vejamos o que dizem os frequentadores do estabelecimento de Damião Canada.
Brilhante é a assembleia ali reunida. Além do proprietário, barriguda e rubicunda figura, que, assim posta ao pé das pipas, podia servir de tipo para a representação de um Sileno, havia várias individualidades de peso nos destinos de toda a comarca.
Dê-se primeira menção ao nosso já conhecido Bento Pertunhas, a quem as humanidades não faziam soberbo a ponto de recusar-se a entrar em comunicação social com os seus conterrâneos.
Observada esta deferência, mencionemos os mais.
Um era nem mais nem menos do que o Sr. Joãozinho das Perdizes, em quem já temos ouvido falar por mais do que uma vez.
Era o dito Sr. Joãozinho morgado e proprietário em uma das freguesias próximas, chamada de Pinchões; mas propriedades e morgadia andavam-lhe tão embaraçadas em redes de demandas e de hipotecas, que Deus nos acuda.
Os autos que diziam respeito à casa das Perdizes enchiam um cartório. Graças, porém, ao seu génio despreocupado e folgazão, o Sr. Joãozinho deixava aos procuradores os cuidados judiciais; os cuidados agrícolas aos rendeiros e feitores; os do futuro, a Deus ou ao diabo; e para si não reservava nenhuns.
Prosseguia naquela vida airada, que já lhe era necessidade.
Frequentava as feiras, onde ia para jogar e fazer trocas de cavalos com os ciganos, e às vezes para dar e levar sovas monumentais. - Nos meses de caça, a vida do morgado era perfeitamente nómada: estendia por léguas e léguas as suas excursões venatórias, contentando- se com qualquer cama e comida, de que, de ordinário, participavam os cães, que o acompanhavam; distraía-se também a conquistar os corações femininos da freguesia, calando com dinheiro algumas queixas mais acerbas e insofridas de um ou outro pai, marido ou irmão.