- E a das toupeiras? O Tio Vicente também caça toupeiras?
- Em seu tempo. Oh! a toupeira é animal de abençoadas virtudes! Basta que um dente que se lhe arranque, estando ela viva, trazido ao pescoço, cura a mais desesperada dor de dentes.
Não deve ser fácil operação a de tirar os dentes à toupeira - tornou Ângelo.
O ervanário continuou:
- A quinta essência das toupeiras é milagrosa contra cancros e herpes.
- A quinta essência das toupeiras! - repetiu Ângelo, rindo.
- Não rias, criança - acudiu severamente o ervanário. - Que não é bonito rir do que homens doutos asseguram. Eu já o experimentei, logo que o li naquele grande livro da Polianteia, livro como se não faz hoje outro.
- E como é que se tira a quinta essência a uma toupeira, Tio Vicente?
- Tomam-se as toupeiras e queimam-se até as fazer em cinzas.
Mistura-se a estas cinzas o sumo de celidónia-maior, até haver quatro dedos de sumo acima das cinzas. Mete-se tudo num vidro bem fechado, que se enterra por dez dias e... e... Bem, bem. Ele ri!... Tolo sou eu em gastar tempo e paciência com crianças.
- Espere, espere, Tio Vicente... Não vá embora... Então depois de enterrar tudo isso, que se faz?
- Até logo... Pede a Deus que nunca te seja preciso fazer a pergunta com menos vontade de rir.
- E assim vai sem me dar um remédio! Olhe, Tio Vicente, eu padeço às vezes de um sono tão pesado que me não deixa estudar.
O ervanário voltou-se e, com toda a seriedade, respondeu:
- E julgas que não sei de remédio para isso? Experimenta e verás. Mete um ou dois morcegos debaixo dos travesseiros e eu te afirmo que... Mas adeus, que se me faz tarde, e daqui a Cernuche é uma légua.
E o ervanário retirou-se, meio agastado com o cepticismo de Ângelo e sobraçando a caixa de lata e o saco dos seus tesouros medicinais.