- Há dez anos saí eu daqui, Tio Vicente. Não se lembra? Era então uma pobre criança da aldeia, educada entre os braços de minha mãe, e conhecendo, uma por uma, as árvores destes sítios e mais nada. Saí daqui e fui para Lisboa. Não imagina as fortes impressões que recebi na noite que ali cheguei. Nunca a história mais maravilhosa de fadas e de encantamentos que ouvia quando era pequeno, nunca me feriu a imaginação assim! Tudo era novo para os meus sentidos. O rumor, as luzes, os palácios, os edifícios, os carros produziam-me quase uma vertigem; sentia-me vacilar. Achei-me, nem sei bem como, de tão atordoado que ia, numa casa onde estava o conselheiro, e em que se reunia, naquela noite, uma companhia numerosa de homens, de senhoras e de crianças, muitas da mesma idade que eu, e que formavam uma assembleia à parte.
»A sala era magnífica; muitas luzes, muitos espelhos, muitas flores, móveis dourados, tapetes, quadros, cristais, e, para acabar de me confundir, o piano, objecto novo para mim e que eu me não fartava de admirar. Tudo isto me perturbava, como imagina, e por força me havia de dar uns ares de estupefacto. O conselheiro recebeu-me com afecto; deu explicações às pessoas presentes a respeito da minha vida, e deixou-me entregue às crianças. Aí fiquei eu, bisonho rapaz da aldeia, com a minha jaqueta mal talhada, o meu olhar tímido, os meus modos acanhados, no meio de uma turba de crianças elegantes, que se me afiguravam de uma essência superior à minha. As crianças são desapiedadas, quando assim em companhia.
»Cedo percebi que estava sendo o alvo da zombaria delas; riam ao princípio com disfarce e falavam-se ao ouvido, olhando-me de relance; redobravam as risadas e transmitiam reflexões a meu respeito, cujo sentido julguei adivinhar.