Depois dobrou a ousadia nelas; dirigiram-me ditos, gracejos, cada vez menos disfarçados; formaram grupos em volta de mim; se eu falava, respondiam-me rindo, Então apoderou-se de mim um profundo desalento, comprimiu-se-me o coração de tristeza. Lembrei-me, com saudades, das árvores da minha aldeia, do meu pobre quarto, de minha mãe; e achei-me ali tão só, tão sem conforto nem amizades, que as lágrimas me vieram ferventes aos olhos. Ainda hoje não hesito em dizê-lo: foi aquele um dos mais amargos momentos da minha vida. Nós, quando adultos, esquecemos facilmente os martírios da infância, quando nesta idade uma sensibilidade exagerada tão dolorosos os faz. Foi então que se deu um facto que, na minha piedosa superstição de rapaz aldeão, quase me pareceu de intervenção divina.
»Abriu-se a porta, e entrou na sala uma criança, que eu não tinha ainda visto. Era uma menina pálida, de gesto afável e angélico. Vestia toda de branco. Entrou e aproximou-se do conselheiro, que jogava com uns amigos. O conselheiro, depois de beijá-la, não sei que lhe disse ao ouvido. Ela correu então a sala com a vista; viu-me e veio direita a mim.
- Não conhecias, já da aldeia, Madalena? - perguntou o ervanário.
- Não; minha mãe veio para aqui no ano em que, por morte da sua, Madalena voltou a Lisboa. A afabilidade, a gentileza desafectada com que me falou, causou- me um alívio inefável. Ainda hoje sinto como que os reflexos daquela suave impressão. Parecia-me ouvir a voz de minha mãe; tinha o timbre da simpatia. Encheu-se-me logo de confiança o coração. Com ela não senti mais aquele acanhamento que me enleava.
»Depois falava-me de coisas que eu sabia tão bem! Perguntava-me a respeito dos campos, das árvores, das abelhas, dos ninhos dos pássaros, das flores, dos trabalhos do linho.