- Na aldeia como na aldeia. Em Lisboa também as minhas alvoradas são mais tardias.
- Tem razão, Sr. conselheiro. Eu próprio não esperei que me acordasse o toque da sineta. Há muito que eu namorava a manhã da janela do meu quarto.
- Eu não pude dormir toda a santa noite - disse D. Doroteia.
- Estranhei a cama e a casa. Eu cá sou assim: quem me tira do ninho!...
- Ó prima, não vá sem resposta - disse D. Vitória - que também eu não pus olho, e mais sou de casa. E por sinal que sempre hei-de querer saber quem foi o criado que lhe deu para andar toda a noite por a quinta. Eram que horas e eu ainda ouvia pés nas escadas de pedra. É verdade: o primo Henrique não ouvia? Era mesmo junto do seu quarto.
- Não, minha senhora; eu não senti rumor.
E, dizendo isto, Henrique procurou os olhares da Morgadinha, que justamente naquela ocasião lhe servia uma chávena de chá e que de novo o fixou sem perturbação nem afectada indiferença.
Henrique sentiu-se embaraçado com isto. Custava um pouco à sua vaidade este nenhum vestígio de ressentimento ou de receio, que encontrava em Madalena.
No entretanto, D. Vitória continuava a comentar com D. Doroteia o facto das passadas que ouvira de noite.
- Deixe-se disso, prima. É porque não sabe o que vai. São coisas destes criados. Não faz ideia! É uma pouca-vergonha! É preciso paciência de santa para os aturar.
- Ângelo - disse a Morgadinha ao irmão -, entretido como estás a conversar com as crianças, esqueces-te de servir a Criste, que também se esquece de se fazer lembrar. Que distracções por aqui vão!
Ângelo reparou para a prima, que em todo aquele tempo estivera calada e caída em uma daquelas abstracções, a que ultimamente era sujeita.
- Eu não sei que tem hoje esta Criste - disse Ângelo.