A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 18: XVIII Pág. 272 / 508

À impertinência de admirar estas preciosidades acrescia a de ouvir e de ter de achar graça a um papagaio que cantava o hino brasileiro.

Com estas visitas políticas, passou, como dissemos, todo o período das festas do Natal, sem que entre os personagens da nossa história ocorresse coisa que mereça nota.

Entre Madalena e Henrique mantinha-se a mesma luta moral; nem um nem outro recordavam declaradamente a cena nocturna, em que tão acerbas palavras se haviam trocado. Augusto não voltara ao Mosteiro desde então. Era tempo de férias para as crianças, o que fazia natural esta ausência, contra a qual Ângelo em vão protestava.

Madalena nunca, porém, aludia a ela. Cristina passava o tempo, querendo- se mal por a sua timidez e de quando em quando amuando de ciúmes com Madalena, que ria deles e os dissipava com uma palavra.

Chegou, enfim, o dia de Reis, aquele em que devia realizar-se no pátio do Mosteiro o auto que, havia muito, mestre Pertunhas andava ensaiando.

Henrique e D. Doroteia vieram jantar ao Mosteiro, e ficaram para assistir à solenidade popular.

Já por vezes temos ouvido falar neste auto, que prometia ser coisa memoranda nos anais dos festejos públicos da terra. Havia meses que o Sr. Pertunhas esgotava os tesouros da sua ciência dramática a ensaiá-lo, e vimos com antecipação andar Ermelinda decorando a parte da Fama, que lhe competia desempenhar.

Estes autos e entremeses, que nas aldeias se representam, são como os restos grosseiros que da nossa arte primitiva a varredura estrangeira deixou ficar pelo chão. Não obstante as extravagâncias e as modelações toscas e risíveis de muitos, é certo que nos mostram que a Euterpe rústica tem conservado mais fiel a índole peninsular, do que sua irmã, a civilizada musa das cidades, a cujo paladar já sabem mal as popularíssimas redondilhas, tão apreciadas ainda na Espanha.





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