A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 19: XIX Pág. 305 / 508

Sabem-no os especuladores políticos, que tanto se esforçam por simulá-la, quando precisam do povo.

- Quem foi que atirou a pedra? - perguntou um.

- Temos tolice!

- Nada de pedras, olá!

- Então isto é coisa de garotos! Estava a quebrar-se a fúria da onda popular. Os que antes gritavam «morras» achavam já repreensível a primeira tentativa de lapidação. E contudo era a pedra a arma mais pronta para executar a sentença. Era evidente que o maior perigo passara e que um pouco de prudência resolveria a crise.

O pior era que Henrique possuía em pequeno grau essa qualidade, e, irritado pelo insulto, ia cometer talvez um acto irreflectido, apesar dos esforços de Cristina e de Torcato para o reprimirem.

Uma circunstância, porém, veio inesperadamente em auxílio deles e concorreu para dissipar a tempestade.

Foi o caso que, depois de ser posto fora da igreja o Zé P’reira, que, pelas razões que o leitor já sabe e inda mais depois do malogro da interpelação ao missionário, não olhava com bons olhos para este, veio desconsoladamente sentar-se no adro, sobre os degraus de um cruzeiro, tendo ao seu lado o popular tambor, instrumento das suas glórias, e que ainda naquele dia servira à frente da procissão.

Aí se conservou enquanto durou o sermão. Junto do artista deitara- se a dormir o seu satélite, o rapaz do bombo, o que, a pancadas compassadas e valentes, secundava os rufos rápidos e febris que o outro executava na caixa - pancadas que eram, por assim dizer, as vírgulas daqueles floridíssimos períodos acústicos.

Em posição de cansaço e desalento o Zé P’reira monologava, como era hábito seu, sempre que tinha o cérebro repassado do espírito familiar.

Lamentava consigo o bom do homem o desmazelo doméstico da sua cara-metade;





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