Em vez de responder-lhe, berraram com mais violência:
- Morra o pedreiro-livre!
- Ensinem esses senhores da cidade!
- Pouca vergonha!
- Isto não fica assim! Isto é de mais!
- Mação!
- Herege!
- Quero passar! - repetiu Henrique, no mesmo tom imperioso.
- Havemos de ensinar estes fidalgos.
- Excomungados!
- Havemos de lhe dar os risinhos na igreja.
Henrique não podia já reprimir a impetuosidade do génio; deu um passo para eles, levantando o chicote que trazia na mão.
Era uma imprudência perigosa. Num momento uma verdadeira nuvem de varapaus cruzaram-se sobre a cabeça dele.
E os gritos de - morra! mata! abaixo os pedreiros-livres e hereges!
- levantaram-se mais ameaçadores do que antes. Madalena susteve, a tremer, o braço de Henrique.
E o tumulto crescia cada vez mais e cada vez mais aumentava o perigo.
Uma grande pedra, impelida de longe, veio bater na verga da porta da sacristia, e na queda ameaçava ferir a cabeça de uma criança, que entremetendo-se no grupo dos amotinadores, conseguira colocar-se junto de Madalena e de olhos espantados assistia àquilo tudo com infantil curiosidade, enquanto a mão, aflita, a chamava em altos gritos, procurando-a no adro. A Morgadinha, estendendo as mãos para proteger a cabeça da criança, foi ferida nos dedos pela pedra. Com gesto sereno, e em tom desafectadamente repreensivo e ao mesmo tempo plácido, disse para toda aquela gente:
- Não vêem que iam matando esta criança? Esta simples acção e estas palavras da Morgadinha produziram mais efeito do que todos os arrazoados e todas as resistências.
Havia nelas claros indícios de uma índole generosa, e a generosidade foi e será sempre um dos mais poderosos elementos para dominar e comover as massas.