A velha ganhou ânimo ao ver-se fora da porta e por isso disse:
- Lá se vê quem a matou. Repare e diga se não tem remorsos, carrasco! Estas palavras fizeram quebrar a veemência do desespero do Cancela.
Voltou-se, e, vendo a filha estendida no chão, quase como morta, com a palidez, com a imobilidade, com a aparência de um cadáver, correu para ela soltando um grito angustioso e principiou a chamá-la pelo nome, beijando-a, chorando, pedindo misericórdia a Deus, pedindo perdão a ela, soltando palavras sem nexo, arrepelando- se, ferindo-se.
A velha, que já não o temia, ao vê-lo assim, vingava-se agora chamando-lhe ímpio, herege, malvado, assassino da filha, condenado de Deus... e ele, o desgraçado, tudo escutava humildemente, com remorsos, e implorando misericórdia.
- Não! Ela não há-de morrer-me assim... Deus não pode consentir nisto. Não deixará que eu tenha assassinado minha filha. Ah! senti-lhe o coração!... Vive!... Senti-lhe o coração bater... Olhe! Venha ver... pouse aqui a mão, comadre, no peito dela, aqui... Não sente? É o coração, não é? Não lhe parece que não morreu? Ar, ar, é do que ela precisa.
E, erguendo-se, correu, com a filha nos braços, para o meio da rua.
Ermelinda ainda estava sem acordo. Juntaram-se algumas mulheres, atraídas pelo espectáculo e pelas arguições da beata, que não cessara de falar.
Foi voz unânime que a pequena estava a expirar. O Cancela tremia e pedia por amor de Deus que lhe não dissessem aquilo.
Subitamente, soltou um grito de triunfo e pôs-se a rir como doido. Ermelinda tinha aberto os olhos.
Mas, ao fitá-los no pai, instintivamente desviou a cabeça, como se o aspecto dele lhe causasse terror.
- Filha! - disse o Cancela, tremendo de interpretar aquele gesto e com maior consternação na voz e no olhar.