O terror secou-lhe as lágrimas. Com o olhar espantado, as faces quase lívidas, as mãos juntas, quis falar, mas não pôde; moviam-se-lhe os lábios descorados, mas não lhe saía a voz da garganta.
Cada vez mais cego pelo desespero, o pai já não a atendia. Passou outra vez ao corredor, derrubou, em igual acesso de fúria, o vaso da água benta, bradando:
- Vai-te, que estás empestada também pelo bafo maldito da impostura.
Ermelinda lançou-se-lhe aos pés, abraçou-o pelos joelhos para o reter, mas ele não a sentia, e, continuando a caminhar desorientado, quase a levou de rastos até à outra sala.
Aí imagens, cruzes, esculturas, tudo lançou por terra, tudo despedaçava ou rasgava.
Neste ímpeto de loucura, nesta cegueira de raiva, não viu a filha, que, como se galvanizada pelo terror, ergueu-se arquejante, com os braços estendidos, fazendo esforços para falar, e caindo por fim no pavimento, inerte e fria como um cadáver.
Atraída pelos gritos e rumor que partiam de casa do Cancela, a madrinha de Ermelinda acudiu a ver o que era aquilo.
Chegando ao limiar da porta, assistiu ainda ao final da cena que descrevemos; ia a gritar, mas o olhar e gesto com que a fitou o Cancela cortou-lhe a fala na garganta.
Era de facto um olhar selvagem e sinistro.
A Sr.ª Catarina parou.
- Que vem fazer aqui, mulher? - dizia-lhe o Cancela com voz cavada.
- Eu...
- Vem acabar de matar-me a filha, serpente? Vem empeçonhar estes ares, onde meteu a tristeza?
E, a cada pergunta que fazia, dava para ela um passo e ela recuava outro. Crescia outra vez a impetuosidade nas paixões e nas palavras do Herodes.
- Saia! Saia da minha vista, se não quer que eu lhe faça como fiz a esses feitiços com que me enfeitiçou a filha, com que ma quis matar.