A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 20: XX Pág. 321 / 508

e cabelos cortados, que cantavam em chorada cantilena estas e análogas quadras, que os missionários, ou os agentes seus, têm quase sempre o cuidado de vulgarizar, como preparatórias dos ânimos impressionáveis das mulheres e das crianças.

Ia em meio uma destas quadras, quando se aproximava a procissão da casa do Cancela.

Este já estava em pé no meio da rua, à espera dela.

O missionário viu aquele homem grande e imóvel no meio do seu caminho, aquele agigantado vulto que, virado de costas para o Poente, se lhe apresentava escuro como um fantasma, e não conjecturou bem do que via. Por isso parou também, olhando para ele. O coro suspendeu-se.

O Cancela fitou por algum tempo em silêncio o padre, e depois perguntou-lhe:

- Sabe quem eu sou?

O padre fez um sinal negativo com a cabeça.

- Sou um homem desesperado, um homem que, neste momento, nem ouve Deus.

O padre olhou inquieto para trás de si e para os lados, como quem procurava uma saída para o caso de necessidade, pois dizia-lhe a razão que um homem que não ouve Deus não estaria muito disposto a escutá-lo, a ele, humilde criatura.

- Sabe o que lhe quero? Perguntar-lhe por a alegria e por a saúde de minha filha; perguntar-lhe por o amor dela, que me roubou; perguntar-lhe a que demónio ofereceu os cabelos daquela criança sem culpas nem maldade; perguntar-lhe com que envenenou o coração, e depois... depois matá-lo.

O padre enfiou; ia a abrir a boca para falar, mas viu caminhar para ele o Cancela, viu no ar aquela mão musculosa e larga, e, calculando a violência do embate pelo volume do braço, julgou-se de antemão esmagado e só pôde encolher os ombros, fechar os olhos, contrair comicamente as feições, e suspender a respiração, aguardando nesta postura o golpe, que não podia evitar.





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