muros, desfazia-se em pó a argamassa secular, caíam a golpes de machado as vigas dos tectos e os troncos das árvores, alastrava-se de tijolo e caliça a verdura dos tabuleiros, e, cedo, de toda aquela vivenda tão amena e virente, só restavam ruínas.
Numerosos grupos de já pacificados espectadores seguiam com curiosidade as operações de devastação; mas, longe dali, a maior distância do que os indiferentes, assistiam ao espectáculo os únicos olhos que ele orvalhava de lágrimas, o único coração que ele deveras apertava de dor.
O ervanário fora sentar-se na encosta de um outeiro vizinho, donde se divisava toda a cena. Com a cabeça pousada na mão e o braço apoiado sobre o joelho, com voz comovida, dizia adeus a cada árvore, que dali via vacilar e cair, como se fosse um amigo que o precedesse no túmulo. Parecia ter fugido para longe, para pelo menos não lhes ouvir o estertor da agonia.
Ao lado do velho estava Augusto.
Não era também sem tristeza que ele seguia os progressos da demolição.
Mais do que uma vez tentara arrancar o ervanário daquele sítio.
O velho, porém, resistiu; queria estar ali até ver cair a última árvore.
Ao pinheiral, donde assistia à cena, chegava em confusão o alarido dos trabalhadores, o rumor do manobrar dos instrumentos, e até o da queda das árvores cortadas.
O ervanário, sempre que via brilhar o machado sobre uma nova árvore, recordava sentidamente algum episódio do seu passado, a que ela estava ligada.
- Lá vai aquela faia - dizia ele com intensa melancolia - pobre velha! Era à tua sombra que meu pai me ensinava a ler! Encostava-se àquele tronco sobre a grossa raiz que ele tem à flor da terra e, pegando em mim ao colo, guiava-me nas primeiras lições! E viver eu para te ver cair!
E, ao perceber-lhe balançar as sumidades, o velho fechou os olhos instintivamente.