A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 3: III Pág. 33 / 508

Acordar só aos raios da aurora é um dos mais inefáveis prazeres a que eles aspiram na vida.

Penetra-lhes então nos membros um insólito vigor; a arca do peito expande-se-lhes mais livre, e as sombras do espírito dissipam-se-lhes com aquele clarão matinal.

Foi o que sucedeu a Henrique. Pela primeira vez, depois de muitos meses, dormira de um sono a noite inteira.

Sentia-se com isto tão bom, tão vigoroso, tão contente que teve vontade de cantar.

Mas o som que o acordara, aquela nota única, em que se confundiam todas as notas da sonhada orquestra, ainda lhe soava nos ouvidos.

Prestando-lhe a atenção de acordado, conheceu que era o chiar dos carros - o mesmo som, que na véspera o irritara, agora, assim a distância, estava-lhe agradando, como nota extraída por mão hábil das cordas de um violino.

Não resistiu por mais tempo ao impulso que naquela manhã o incitava ao exercício, rara disposição no indolente filho da capital, que tinha por hábito ouvir o meio-dia na cama.

Ergueu-se e abriu as janelas.

Não é lícita a comparação entre a mais surpreendente transmutação de uma dessas aparatosas mágicas, que tanto extasiam as multidões embasbacadas nas plateias e camarotes de um teatro, e as que, de instante para instante, realiza a natureza. Descerrando o véu de nuvens que encobre o fulgor do Sol, elevando, acima do horizonte, esse majestoso lampadário do Mundo, ou o brilhante reflectidor que ilumina as noites desanuviadas, a natureza opera, a cada momento, as mais admiráveis e completas metamorfoses.

Durante o sono de Henrique realizara-se um desses efeitos mágicos.

Abrandara gradualmente a violência do sul; o vento, mudando, voltou em sentido oposto a grimpa do campanário; dispersaram-se as nuvens; luziram trémulas





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