Oferecendo à Morgadinha a carta que lera, disse-lhe, com um modo que a impressionou:
- Veja se compreende a significação desta carta, que estava na pasta do Sr. Augusto, do amigo de seu irmão. A mim parece-me que as crianças não a compreenderiam bem.
Madalena olhou para Henrique e depois para a carta, que principiou a ler.
Sucedeu-lhe como a Henrique: cedo a dominava uma ansiosa curiosidade, que a obrigou a ler com rapidez até ao fim.
Ao acabar, amarfanhou-a com raiva, arrojando-a no chão; escondeu o rosto entre as mãos e não pôde reter o pranto que lhe rebentava dos olhos.
D. Vitória parou a olhá-la, estupefacta.
- Que é isso, Lena? Santo nome de Deus! Tu que tens, menina?
- É que há momentos, minha tia - respondeu Madalena, fitando-a com os olhos arrasados de lágrimas - em que eu não sei como se resiste à loucura; em que, para não duvidarmos de nós mesmos, é necessário duvidar da Providência, que dizem que protege os bons.
E, levantando-se nesta agitação nervosa, saiu da sala, sufocada pelos soluços.
D. Vitória interrogou Henrique a respeito da causa deste episódio, que ela não podia compreender.
Henrique respondeu simplesmente:
- Sucede, minha senhora, que a carta encontrada na pasta do Sr. Augusto parece-se muito com aquela de cujo extravio o Sr. Conselheiro se queixa e que foi publicada nos periódicos de Lisboa.
D. Vitória esteve algum tempo a pensar na verdadeira significação da resposta.
- Mas... nesse caso... visto isso...
- Visto isso, só o Sr. Augusto pode explicar o mistério que inda há pouco nos preocupava a todos. Os meus pressentimentos malignos tinham infelizmente um fundo de verdade.
D. Vitória, tendo afinal compreendido, exclamou:
- Pois seria ele?! Era dele que o primo há pouco falava? Por esta não esperava eu! Ora fie-se uma pessoa nestes santos! Uma coisa assim! Ora deixa estar que eu vou.