Doroteia.
- Orá pér nós - respondia invariavelmente a criada.
A reza interrompeu-se ao entrar Augusto na sala.
Poucas situações se podem conceber mais exasperadoras de ânimo do que a de Augusto naquele momento.
Vir com o espírito dominado por as mais violentas paixões, trazer no coração uma verdadeira tempestade afectiva, e, de súbito, achar-se na presença de duas índoles essencialmente pacíficas, de dois corações a que a paixão nunca alterou o ritmo, de duas consciências de que nunca a dúvida, o remorso, ou o ódio turbaram a celeste serenidade, é um martírio cruel.
Augusto teve desejos de recuar, porque previu a tortura que o esperava.
- Ditosos olhos que o vêem! - disse D. Doroteia, arredando diante de si a dobadoira, para mais à vontade contemplar o recém- -chegado. - Não sei que mal lhe fizeram nesta casa?
- As minhas ocupações... - balbuciou Augusto, sem saber o que dizia.
Maria de Jesus veio de reforço à ama:
- Isso! Fale-nos nas suas ocupações, nem que se não soubesse cá que todos os dias dá o seu passeio ao fim da tarde; sem falar nas quintas-feiras e domingos... Augusto não respondeu.
- Pois olhe que todos aqui lhe querem bem - disse D. Doroteia.
- Assim o creio, minha senhora.
- Eu fui muito amiga de sua mãe, que era uma santa criatura. Inda me parece que a estou a ver aí sentada, com aquela capa roxa que trazia. A alegria dela, quando o Augustinho veio de Lisboa! Vi-a chorar e agradecer a Deus o filho que lhe tinha dado... Todo o seu desejo era não morrer antes de o ver padre; queria pelo menos uma vez comungar das suas mãos... Coitada!... Não lhe concedeu isso o Senhor, que bem cedo a chamou a si.
E continuou para Augusto:
- Quando morreu a morgada, a madrinha da Lenita, e que me contaram aqui do legado que ela deixara, eu disse logo: «Ora a alma tem ela no Céu por isto, quando por mais não seja».