porque se trata da sua única riqueza, porque, sem família e pobre, e amanhã talvez na miséria, precisa de defender o único bem que lhe resta, o senhor recebe-o com um sorriso ultrajante, para ocultar talvez a cobardia, que não ousa repetir na face do acusado as insinuações que contra ele fez na ausência. Se a consciência lhe não exprobra esta infâmia, teve razão ao dizer-me que me enganei procurando-o. A caracteres desses não se pede a explicação da calúnia; é a sua manifestação natural.
E, terminando estas palavras, que a mais violenta paixão lhe ditara, Augusto caminhou para a porta do quarto.
Henrique deteve-o.
No espírito do leviano hóspede de Alvapenha passara-se neste curto intervalo de tempo uma profunda revolução moral.
Na voz, no gesto e na indignação de Augusto pareceu-lhe perceber vestígios de sinceridade, em que até ali não acreditara, e, desde esse momento, além dos remorsos pelos desdéns com que o recebera, sentia viva a necessidade de uma reparação.
Madalena tinha razão.
No meio de todos os seus defeitos, havia neste rapaz um não esgotado fundo de pundonor e de moralidade.
- Não saia - disse ele para Augusto, já sem a menor sombra de ironia. - Se para isso for necessário pedir-lhe perdão, pedir-lho-ei. Que mais quer?... Reconheço-lhe o direito que tem de ser escutado. Fique. E creia que, apesar das aparências lhe serem desfavoráveis, eu, que em bem pouco concorri para elas, sinto-me já movido a não lhes dar fé. É já um convencimento tão íntimo como o que até agora tinha da sua culpa, confesso-o. Se na minha mão estiver esclarecer o mistério, conte comigo. Fale.
Augusto fitava-o ainda com desconfiança.
Henrique percebeu-o e continuou:
- É justa a dúvida que lhe leio no olhar, mas, como somente o meu procedimento futuro a pode desvanecer, peço-lhe que não deixe por isso de falar.