- Saiba V. S.ª que ainda não - respondeu o Sr. Bento Pertunhas - mas não deve tardar. O homem que daqui vai buscar as malas à vila, se bem andasse, já cá podia estar. Esse formigueiro de gente, que V. S.ª aí vê à porta, está à espera dele. Hoje, então, que chegam as cartas do Brasil, ninguém pára com este povo. Dão-me cabo da paciência. Isto é um inferno! Eu sirvo este lugar interinamente, enquanto o empregado está paralítico; porque eu tenho outro cargo público: sou professor de latinidade.
- Ah!...
- É verdade, mas a minha vocação era para as artes. Meu pai queria que eu fosse padre e mandou-me ensinar latim; mas já então a minha paixão era a música. Eu ainda queria que V. S.ª me ouvisse tocar trompa, que é o instrumento que mais tenho estudado... Se V. S.ª se demorar, há-de fazer-me o favor...
- Com muito gosto.
- Não poder um homem seguir no mundo a sua vocação!
- Ainda assim não se pode queixar muito. O cultivo das letras deve-lhe proporcionar gozos; porque, enfim, para quem possui instintos de arte, a leitura dos poetas já é um lenitivo contra as agruras da vida.
O mestre Pertunhas fitou Henrique com olhos muito abertos.
- Os poetas? Os poetas latinos! Ora essa! Então parece-lhe que pode achar-se gosto em lê-los? Ai, meu caro senhor, eu por mim tenho-lhe uma vontade!... O latim!... A mais destemperada e desesperadora língua que se tem falado no mundo! Se é que se falou - acrescentou em voz baixa.
- Então duvida que se falasse latim? - perguntou Henrique, sorrindo.
- Eu duvido. Não sei como os homens se pudessem entender com aquela endiabrada contradança de palavras, com aquela desafinação que faz dar volta ao juízo de uma pessoa. Sabe o senhor o que é uma casa desarranjada, onde ninguém se lembra onde tem as suas coisas quando precisa delas e passa o tempo todo a procurá-las? Pois é o que é o latim.